Retirado do Zambeze
O Dr. António Albano Silva escreveu-nos a longa prosa acima transcrita na sua qualidade de esposo da Senhora Luísa Diogo, Primeira-Ministra da República de Moçambique, sobre quem nós escrevemos na nossa edicão de 13 de Abril corrente, sublinhando que ela estava a desinformar o povo sobre o processo que levou à atribuição do imóvel do Estado, sito na Avenida do Zimbabwe número 720, ao seu filho Nelson Diogo da Silva.
Da longa prosa do Dr. Albano Silva, algumas passagens merecem os nossos comentários, o que o fazemos nos seguintes termos:
1. Clarificar, desde o início, que nunca nós pusemos em causa o direito do cidadão Nelson Diogo da Silva à habitação. Aliás, o que nos fez entrar no assunto foi a mentira da Primeira-Ministra de que havia alguém que dizia que o seu filho, Nelson, “ não tinha nenhuns direitos constitu-cionais”. Ora, isso nunca foi dito por ninguém, excepto pela mãe do próprio Nelson, na sua aparição televisiva.
2. Albano Silva insiste em que Faruk Gadit alimentou falsa expectativa a partir de uma denúncia de irregularidades na ocupação do imóvel em causa. “ Criou em vão uma expectativa. Mas ninguém lhe prometeu nada”.
Isso não é totalmente verdade, pois Faruk Gadit apresentou a denúncia numa altura em que estava em vigor na APIE um mecanismo instituido pelo então Conselho Executivo de Maputo, presidido por João Baptista Cosme, segundo o qual o cidadão que apresentasse denúncia de irregularidades na ocupação de determinado imóvel recebia da APIE uma senha numerada, com os dados do imóvel de-nunciado e que, caso a investi-gação comprovasse a denúncia feita, o denunciante ficava, automaticamente, candidato prioritário a inquilino desse imóvel (Vide a Informação da APIE publicada no Jornal Notícias de 11 e 13 de Setembro de 1991).
Portanto, caro Dr. Albano Silva, quem criou, em vão, expectativa no cidadão Gadit foi o Estado moçambicano personificado no então Conselho Executivo da Cidade de Maputo e supõe-se que Albano Silva, que é advogado, tem pleno conhecimento disso.
3. Albano Silva diz que nós defendemos o direito à restituição do imóvel a Faruk Gadit. É mentira. Nós apenas expusemos os contornos de um processo de arrendamento de uma casa pelo cidadão Faruk Gadit. Arrendar uma casa é diferente de restituir uma casa.
4. No seu estilo característico, Albano Silva dedica bons pedaços da sua prosa a falar da ligação de Faruk Gadit ao Estado português. Diz, por xemplo, a dado passo o seguinte: “Não acha imoral, Sr. director, que este indivíduo, depois de ter servido fielmente o Estado português, venha reclamar favores do Estado moçambicano que, em 1991, concedeu aos cidadãos nacionais o privilégio de adquirir imóveis do Estado por um preço acessível? Não seria melhor que o Senhor Faruk Gadit fosse pedir favores ao Estado português, a quem serviu fielmente, até à reforma?”. Esta afirmação não fica bem à pessoa de Albano Silva, que também serviu fielmente o Estado português, como alferes miliciano dos GEP (Grupos Especiais Paraque-distas), uma força militar de elite, para a qual se entrava em regime de voluntariado, para quem achasse que o SMO normal lhe não satisfazia os apetites, especialmente concebida para matar populações moçambi-canas suspeitas de apoiar a luta de libertação nacional. É caso para perguntar ao grande nacionalista Albano Silva: Quando era alferes miliciano dos GEP estava a servir fielmente que Estado? Estava a combater o Estado portu-guês? Estava, nos GEP, a servir a Revolução moçambicana?
Em nosso modesto entender, Albano Silva devia cuidar do que diz, sobretudo por estar num país pacífico e disponível a perdoar o passado de todos. Noutros países democráticos, seria muito difícil haver uma Primeira-Ministra cujo esposo foi de uma tropa colonial de elite com a missão de massacrar populações civis indefesas. Até seria impossível, nos arriscamos nós a pensar.
Se em Junho de 1982, Samora Machel perdoou a todos os comprometidos com o regime colonial, incluindo Albano Silva, por que é que tanto na aparição pública de Luísa Diogo, como na prosa do marido, há-de continuar relevante falar-se do passado colonial de Faruk Gadit? Aliás, o passado colonial de Faruk Gadit resume-se ao facto de, como milhares de moçambicanos, ter feito carreira no funcionalismo colonial, dele não constando notícia de excessos contra as populações que serviu, ao arrepio de certos arrivistas, hoje armados em patriotas impolutos , como se nos pudessem fazer esquecer a sua proveniência externa e a situação de beneficiários do esbulho das melhores terras deste país, a milhares de nativos para permitir que eles e seus ascendentes aí se fixassem, com casas e alfaias agrícolas disponibilizadas pela administração colonial, em relação à qual agora aparecem a dizer que lhes era ou foi ruim! Na óptica do casal Silva, o perdão de 1982 não abrange Faruk Gadit, que tem de continuar a ser rotulado como tendo servido fielmente o Estado português? Ou pensa Albano Silva que está num país de analfabetos em que ninguém se lembra do passado de cada um de nós?
5. Numa outra mentira desbragada, Albano Silva escreve o seguinte: “Quem atribuiu o imóvel ao Nelson Diogo da Silva é a APIE, legítimo locador e legítimo representante do Estado, proprietário do imóvel que o considerou livre e disponível para dar de arrendamento ao meu filho Nelson Diogo da Silva, em princípios de 2005”.
Na verdade, não foi a APIE que atribuiu o imóvel ao Nelson. Quem atribuiu o imóvel foi o ex-ministro das Obras Públicas e Habitação, Roberto White, em despacho, datado de 29 de Dezembro de 2004, exarado sobre o requerimento que Nelson Diogo da Silva dirigiu àquele titular no dia anterior, isto é, a 28 de Dezembro de 2004, despacho esse comunicado à APIE a 4 de Janeiro de 2005.
Portanto, o cidadão Nelson Diogo da Silva dirige um requerimento ao ministro das Obras Públicas e Habitação (e não à APIE) no dia 28 de Dezembro e consegue um despacho favorável do ministro no dia seguinte, ministro esse que já não o era em virtude de o seu governo haver sido exonerado em bloco, pelo Presidente Chissano, em Novembro de 2004.
O Senhor Dr. Albano Silva acha que tudo isto não aconteceu devido à influência da mãe do Nelson Diogo da Silva. O Dr. Albano Silva e a Dra. Luísa Diogo acham que isto aconteceu, simplesmente, porque Nelson Diogo da Silva é um cidadão moçambicano com direitos constitucionais em dia e em idade de se casar! Quem dera aos restantes jovens moçambicanos possuirem metade dos direitos de Nelson Diogo da Silva!! Aqui, no Jornal, possuimos a cópia do despa-cho do ex-ministro das Obras Públicas e Habitação a atestar o que estamos a escrever. Então, por que é que uma figura do calibre de Albano Silva tem necessidade de mentir? Só para defender uma irregularidade processual na atribuição de um imóvel ao seu filho?
6. Outra coisa, que em condições normais bradaria aos céus, é o que vem no contrato de arrendamento celebrado entre a APIE e Nelson Diogo da Silva. No espaço onde se pergunta a profissão do titular do contrato vem escrito “Es-tudante” e no espaço reservado ao agregado familiar do titular do contrato vem o seguinte:
-António Albano Silva – Advogado;
-Luisa Dias Diogo – Estado;
-João Nuno Diogo da Silva – Estudante;
-Laura Solange Diogo da Silva – Estudante.
Ora, um estudante de nome Nelson Diogo da Silva empenha-se em procurar uma casa para albergar seus pais, aparentemente, sem habitação para viver! E que casa? Uma moradia isolada, com seis quartos e quatro casas de banho, cuja renda mensal não atinge os seiscentos mil meticais!!!
7. Finalmente, e como não se poderia calar, escreve Albano Silva: “Fizemos este esclareci-mento, conscientes de estarmos a lidar com um jornal hostil que nos tem perseguido, desde o julgamento do “caso Cardoso” e que tem prestado serviços relevantes àqueles que lhe tentaram assassinar em 1999, àqueles que provocaram o desfalque de 144 biliões de meticais no BCM, em 1996, e àqueles que mandaram assassinar Carlos Cardoso em Novembro de 2000".
De facto, este jornal nunca foi hostil a ninguém e, muito menos ao Dr. Albano Silva, o qual até tem elogiado algumas das nossas edições. O que este jornal nunca permitiu ao Dr. Albano Silva é que venha aqui dar ordens editoriais, tal como é seu costume em alguns órgãos desta praça.
Lidamos com o Dr. Albano Silva desde 1996, noutro semanário, e, a partir dessa altura, começamos a divergir naquilo que ele acha relevante um jornal publicar. Para Albano Silva, os seus inimigos e adversários deveriam ser, igualmente, inimigos e adversários do jornal, o que é inaceitável quanto a nós. Para Albano Silva, um procurador da República, um juíz, um jornalista que não pactuem com as suas teses jurídicas, então, são colaboradores do crime organizado! Para ele, e pelos vistos, um jornal que ouse apresentar uma versão de acontecimentos diferente do seu pensamento, então, esse jornal colabora com o crime organizado. Por isso, nos considera um jornal hostil a si.
Seja qual for a sua apreciação sobre o nosso trabalho, conti-nuamos a garantir que aqui, neste pequeno cantinho, Albano Silva não dá e jamais dará ordens editoriais.
Era isto o que se-nos oferecia dizer sobre a prosa de Albano Silva. Há muito mais coisas a dizer sobre esta figura esquisitamente interessante da nossa praça pública, mas o espaço de jornal não dá para dizer tudo.
[27-04-2006]
Salomão Moyana
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