Por Machado da Graça
13/12/05
Há dias fui fazer uma palestra na escola Anarkaly, uma instituição que ensina línguas e dá cursos sobre a realidade moçambicana para estrangeiros. O tema que me foi proposto foi um balanço dos primeiros 9 meses do governo Guebuza.
Aqui está o texto que li:
Avaliar os primeiros 9 meses do governo de Armando Guebuza não é coisa fácil.
E não o é porque os sinais que nos chegam são poucos e nem sempre apontando no mesmo sentido.
Mas, para começar, creio que se impõe ver até que ponto a prática governamental está a corresponder ao discurso da campanha eleitoral e dos primeiros tempos de governação.
Recordemos que esse discurso se baseou na promessa de luta contra a pobreza absoluta e, para lá chegar, no combate à corrupção, criminalidade e espírito de deixa-andar.
Sendo óbvio, para todos, que estes são problemas reais, que precisam de ser enfrentados, este discurso criou expectativas fortes junto da população, desejosa de ver estes males irradicados.
Ora, 9 meses depois, as coisas não parecem estar a correr como se desejaria.
A criminalidade, por exemplo, parece estar a crescer e não a diminuir. São constantes os casos de assaltos e assassinatos, de violência nas ruas, sem que a polícia pareça estar capaz de controlar a situação. A um nível mais alto, no caso do crime organizado, este parece continuar a dominar a situação, com os criminosos a enfrentarem, arrogantemente, as autoridades. O caso agora em julgamento do assassino Anibalzinho é bem exemplo disso, com o réu, permanentemente risonho, a afirmar, em pleno tribunal, que a sua segunda fuga foi um milagre de Deus.
A fuga de outros malfeitores poucos dias antes do julgamento, e as notícias publicadas sobre um banquete, que teria juntado presos e guardas, na noite da fuga, leva a pensar que as autoridades continuam a não dar a devida importância à sua função. Mais recentemente, na Beira, outro grupo de 8 cadastrados fugiu de outra das prisões a que continuamos a chamar de máxima segurança.
Ainda no campo das forças policiais, o que se conseguiu perceber dos acontecimentos de Mocimboa da Praia parece comprovar que a escolha do Ministro do Interior não terá sido a mais aconselhável. Aquele dirigente, quando Governador de Cabo Delgado, tinha tomado posições extraordinariamente contestáveis em relação à matança de Montepuez. Os métodos agora utilizados parecem confirmar uma tendência que se desejaria invertida.
Tentativas de apresentar serviço, como a condenação a pesadas penas de prisão de duas jovens que transportaram cocaína do Brasil para Moçambique, não escondem a realidade que é a continua impunidade dos grandes traficantes de droga no país. Pune-se o peixe miudo mas deixa-se em liberdade o graúdo.
Em relação à luta contra a corrupção, os resultados também não são animadores, antes pelo contrário. Para além das iniciativas pessoais de alguns ministros, de tentar meter na ordem os seus sectores, nada se passou que possa levar-nos a pensar que estão a ser tomadas medidas sérias contra esse mal.
Pelo contrário, a única pessoa que mostrava vontade de enfrentar o problema sem medo foi afastada do seu cargo e substituida por um colega com um curriculo de casos parados e mal organizados. Diz-se, inclusive, que os processos que tinham sido iniciados pela Dra Isabel Rupia, vão ser anulados porque a Unidade Anti-Corrupção era uma organização ilegal.
É verdade que vários dirigentes, conectados, na opinião pública, com casos de corrupção, foram afastados dos seus cargos, mas também é verdade que os inquéritos e auditorias que foram feitos aos serviços até agora dirigidos por alguns deles se mantêm no segredo dos deuses. E as afirmações da Primeira Ministra no parlamento dão a entender que assim vão continuar. Continua a parecer que se quer fazer omeletes sem ter que partir ovos, o que, é sabido, não funciona. A decisão de não punir os corruptos, à partida, significa que não se vai combater a corrupção. A garantia de impunidade é um factor determinante da continuação do processo.
O seminário que decorre, neste momento, para traçar uma estratégia de combate à corrupção parece ser mais uma tentativa de fingir que se está a fazer alguma coisa quando, na verdade, não se está a fazer nada.
O fenómeno do deixa-andar, que tem que ver com os aspectos anteriores mas vai mais além, foi a grande bandeira do novo governo.
E digo que foi porque, na realidade, há já bastante tempo que dele se deixou de ouvir falar. De frase sempre presente em todos os discursos passou a ausente da maior parte deles. Ao que parece estava a incomodar os membros do anterior executivo, tendo o anterior presidente chegado a afirmar, publicamente, que o próprio Presidente Guebuza fazia parte do sistema agora acusado de deixa-andar.
Hoje, portanto, o discurso incide mais no combate à pobreza absoluta e menos nos impedimentos de lá chegar.
Mas em que é que consiste o combate à pobreza absoluta? Quais as medidas concretas que o governo apresenta para se alcançar esse objectivo?
Com excepção da espectacular negociação do dossier Cahora Bassa não se vislumbram medidas económicas que possam atingir esse fim.
Pelo contrário, parece haver medidas para esconder essa pobreza, em vez de a remediar. É patente, por exemplo, o esforço do executivo para esconder que há muita gente a morrer de fome. Fazem-se discursos tecnicistas para dizer que as pessoas não morrem de fome mas de outras causas, algumas bem estranhas como, por exemplo, a falta de apetite. Embora com enorme quantidade de gente sem nada para comer o Governador de Gaza recusa-se a decretar o estado de calamidade e o de Inhambane aconselha a população a rezar e comer mangas e cajus.
Mas a verdade é que o não reconhecimento da gravidade do problema torna mais dificil encontrar soluções para ele.
Fala-se em 800 mil pessoas afectadas pela fome e isso é uma calamidade de grandes dimensões. Não se pode fingir que não existe.
Ainda em termos económicos é notório o afundamento da nossa indústria. Todo o sector do caju, todo o sector dos texteis e confecções, unidades de grande impacto económico como a Mabor ou a Maquinag, só a título de exemplo, foram à falência lançando os trabalhadores para a rua. Vilas com uma tradição industrial, como o Monapo, estão hoje com todas as suas fábricas fechadas.
E não são mega-projectos, como a Mozal, que resolvem estes problemas. Por um lado por serem baseados em tecnologias muito avançadas, pouco utilizadoras de mão de obra. Por outro lado porque os grandes benefícios recebidos do governo, para os atrair para o nosso país, fazem com que a maior parte dos ganhos seja exportada para fora de Moçambique.
Por estranho que possa parecer a exploração do gaz de Pande foi feita, no início, por uma empresa de capital totalmente estrangeiro, a Sasol, estando o Estado moçambicano agora, aos poucos, a comprar algumas acções da empresa. Como é possivel que, numa altura em que a questão dos combustíveis é estratégica para qualquer país, o nosso gaz seja totalmente entregue a uma empresa estrangeira?
Esta questão dos combustíveis, de resto, foi motivo para os maiores choques, neste período, entre governantes e governados. A subida dos preços, de forma galopante, e sem qualquer preparação prévia, causou os problemas graves que seriam de prever, não fosse a natural arrogância do poder que acha que tudo pode fazer sem ter que prestar contas a ninguém. As medidas apressadas que foram anunciadas só parcialmente foram postas em prática, não se vendo, até hoje, os novos autocarros prometidos nem os carros movidos a gaz natural.
Além disso é notório que o preço internacional dos combustiveis está a baixar sem que isso se reflita nos nossos preços ao público. A título de exemplo, em Portugal a Galp baixou, há dois dias, os preços pela sétima vez consecutiva, com alguns a atingirem niveis mais baixos que em Junho.
Mesmo a nivel macro-económico a situação não parece boa. Nos últimos tempos assistimos a uma depreciação acelerada do valor do Metical, em relação às principais moedas de referência e, em pouco tempo, vimos as reservas do país cairem de cerca dez meses de importações para cerca de quatro. Para onde foi esse dinheiro? Como foi gasto?
E isto leva-nos à questão de Cahora Bassa. Como toda a gente, acho que foi óptimo ter-se conseguido o acordo, mas pergunto: Como vamos pagar? De onde virá o dinheiro?
E esta pergunta deriva do risco de termos que o ir pedir lá fora a quem o tem. E de isso nos colocar na situação de recebermos a barragem para imediatamente a hipotecarmos a outros estrangeiros. Podemos estar a assistir a uma saída dos portugueses para dar lugar aos sul-africanos ou aos chineses, por exemplo. E, se assim for, não sei se ganharemos com a troca.
Igualmente a gestão da barragem me preocupa. Li, no jornal Domingo, a afirmação de Hermenegildo Gamito de que temos capacidade no país para gerir Cahora Bassa. O curriculo empresarial da pessoa em causa só me pode causar uma maior preocupação.
De qualquer forma, quem acompanha os processos politicos e eleitorais noutros países sabe que os partidos e candidatos concorrentes fazem promessas mas, de uma forma geral, dizem como vão actuar para cumprir essas promessas. Que vão subir, ou baixar, os impostos, que vão privatizar isto ou nacionalizar aquilo, que vão tomar estas ou aquelas medidas concretas.
Por cá diz-se que se vai combater a pobreza absoluta mas não se indica como nem quando. Não somos informados dos meios que estão previstos para atingir aquele fim.
Em resumo, como bem salientou a oposição parlamentar, não é possivel medir o desempenho do executivo porque não temos balizas concretas que possamos verificar se estão, ou não, a ser respeitadas.
Tudo isto no contexto de uma situação política em que continua a destacar-se bastante o anterior Presidente da República.
Sendo uma pessoa de prestígio, nacional e internacional, Joaquim Chissano continua a ser presença habitual nos órgãos de informação, coisa que perturba um pouco num país onde estamos habituados a assistir a um poder total e concentrado, como consequência do desaparecimento físico do anterior titular.
No caso presente, em que o anterior Presidente continua vivo e activo, creio que teremos que nos habituar a uma transição de um tipo diferente, mais de acordo com os hábitos das democracias mais antigas. E que isso não é mau, pelo contrário é bom.
E se isso nos der a entender que a saída de Joaquim Chissano não foi tão pacífica como pareceu e há alas, dentro da Frelimo, que apoiam Guebuza e outras que apoiam Chissano, também não me parece que isso seja negativo. Penso que é tempo de as coisas se tornarem mais transparentes e deixarmos de olhar para o partido no poder como uma coisa monolítica, cercada de total segredo sobre o seu funcionamento interno.
Neste contexto foram interessantes e sintomáticas as posições públicas de Marcelino dos Santos, afirmando que, com Guebuza, o povo voltou ao poder. O silêncio a que foi, depois, remetido este veterano da Frelimo pode significar que esse regresso do povo ao poder está longe de ser uma realidade.
Para finalizar, o episódio desta manhã na Assembleia da República, no debate sobre a alteração dos símbolos nacionais, nomeadamente a bandeira e o emblema.
Apesar de as duas bancadas terem votado a favor da criação da Comissão ad Hoc para esta alteração e de para esse fim terem sido alocados generosos fundos, hoje assistimos à bancada parlamentar da Frelimo a garantir que não vai permitir nenhuma alteração nem da bandeira nem do emblema.
Claramente se trata de uma mudança de posição do partido maioritário, derivada da mudança na sua direcção. Mas é estranho assistir-se a deputados que votaram, a seu devido tempo, a favor destas alterações, aparecerem hoje a fazer discursos, inflamadamente patrióticos, contra elas.
Isto depois de muito tempo, trabalho e dinheiro gastos.
E isto é o que se me oferece dizer, para início de conversa.
Muito obrigado.
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